quarta-feira, 4 de junho de 2008

Maldita...

Uso e abuso


 Encontrei este texto numa revista da cultura do trance psicadélico e mesmo estando em desacordo com algumas das coisas aqui ditas, não pude deixar que este apontamento de Greg Sams sobre os malefícios da cocaína passasse em branco.


Carbon | Hydrogen | Nitrogen | Oxygen | Phosphorous | Bromine | Iodine | Sulphur


 Em 1999, fui preso com a minha namorada numa operação stop quando íamos para uma festa em Wales. Durante a meia hora de caminho até à esquadra de Llandridnod Wells tive uma agradável conversa com o agente que me prendeu, Colin. Estava mesmo interessado na essência de uma festa de trance, e se leram o meu capítulo de Senso Incomum (Uncomun Sense) em http://www.chaos-works.com/chchapts.html percebem bem o tipo de ideia com que ficou. Cinco horas depois, quando a polícia nos soltou, já passava da meia-noite e, quando saímos, perguntaram-nos para onde íamos. Já sem a minha bolsa estava pronto a voltar para Londres, enquanto a Heather sugeriu que nos instalássemos num hotel da zona. Para nossa surpresa, os três polícias pareciam petrificados, e disseram-nos que devíamos seguir para a festa. Não os podíamos desiludir, e finalmente chegámos à sinuosa estrada de terra que nos levaria ao centro da pista para um pézinho de dança, aninhado numa floresta da serra de Welch. Fico contente por anunciar que meia hora depois de termos chegado já tinhamos rectificado todas as faltas, e tivemos um momento inspirador.
 O Colin foi muito educado durante o interrogatório. A dada altura quis saber se eu queria dizer algo sobre estar numa cadeira de rodas sem me fazer nenhuma pergunta com truques na manga.
 O interrogatório concluío assim:

 Llandridnod Wells – 28 de Maio de 1999
.
 “Agente Colin Hadwick – Muito bem, não tenho mais nenhuma questão a colocar-lhe Gregory. Agora tem possibilidade de me colocar qualquer questão que seja ou de clarificar qualquer coisa que não tenha entendido em relação ao interrogatório.
 Quer dizer alguma coisa?

 Gregory – Bom, sim, gostaria de dizer que uso estas drogas mas não abuso. São parte do meu trabalho, parte da minha vida, e usando-as, tenho cinquenta anos de idade e sou mais saudável do que muitos dos meus contemporâneos, certamente mais saudável do que qualquer outra pessoa da minha idade que esteja numa cadeira de rodas há trinta e dois anos.
 Muito disto deve-se à compreensão, à felicidade e ao prazer que tiro ao usar, e não abusar destas drogas. È um factor de peso para me manter saudável.
 Também faz parte do meu trabalho porque sou escritor e escrevo sobre coisas novas. Apresento ideias e conceitos novos às pessoas. Sempre fiz isso toda a vida e são ferramentas preciosas para que isso aconteça.
 E evito cretiriosamente as drogas prejudiciais e perigosas. A única droga perigosa que uso, e de que me arrependo, é o tabaco. Não bebo. Não uso cocaína. Nem heroína. Sou contra essas drogas e enquanto professor tento dissuadir outras pessoas de as tomar. Desaprovo totalmente o abuso das drogas tomadas por qualquer das diferentes maneiras.”



 Bem, o melhor é começar a usar a boca em vez da caneta, para que possa falar à vontade. Isto é, sobre o abuso de drogas. Já não vou a uma festa há cerca de um ano (problemas de ombros) mas não é muito mau porque as festas têm-se tornado cada vez melhores nos últimos dez anos. Há sempre mais uma para o ano que vem, digo a mim próprio e aos outros. Mas agora já não tenho tanta certeza assim.
 Há uma nova droga no círculo das festas. Tal como o alcóol, sempre existiu, mas o seu uso era esporádico e normalmente confinado à casa de banho. É mais in; com efeitos de curta duração; é feita por homens assustadores que não queremos conhecer; e faz muito pouco pela consciência cósmica. Vocês sabem bem do que estou a falar, e não é de erva, cogumelos, MDMA, LSD, mescalina ou qualquer outra coisa inventada por Alexander Shulgin (ver http://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_Shulgin).

 O que me surpreende é que o pessoal das festas, com tantas drogas à disposição, arrisquem expôr o seu Karma às influências da cocaína.
 Temos drogas que nos podem ajudar a sermos pessoas melhores. Temos drogas que nos dão compreensão, empatia e visão. Temos drogas que nos ajudam a dançar por toda a noite fora, cheios de alegria. Os efeitos secundários disto muitas vezes ajudam-nos a viver melhor quando não estamos a tomar drogas. Não corremos o risco de efeitos secundários como “... aumento da irritibilidadde, insónia, inquietude. Em doses elevadas pode exibir um padrão de psicose com comportamentos confusos e desorganisados, irritabilidade, medo, paranoia, alucinações, podendo mesmo tornar-se antisocial e agressivo.” Ver cocaína em www.erowid.org.
 A cocaína não condiz com o mundo psicadélico e seu uso normalmente leva a um desvio das drogas que se afirmam com a vida. O preto parece ser a cor da moda onde a cocaína predomina.

 As pessoas que cultivam a nossa erva, prensam o nosso haxixe e esfregam a nossa charas, tendem ser pessoas verdadeiras, a trabalhar pela vida. As pessoas que sintetizam o nosso lsd e manufacturam o nosso extasi também são pessoas verdadeiras, que usam os seus próprios produtos como parte de um estilo de vida saúdavel. Não são pessoas más, nem oprimem ninguém. A droga, mais do que qualquer outra categoria de produtos, são susceptíveis às vibrações das pessoas que as fazem e que com elas lidam. A cocaína provém de verdadeiros criminosos que fazem vitimas, de pessoas que vão bem mais longe do que desobedecer às leis de um governo. Não estás só a contribuir para essa coltura como arriscas absorver tudo isto para o teu próprio ser quando tomas as suas drogas.

 Algumas drogas levam ao abuso e à doença quase como uma certeza absoluta. Frequentemente encontramos pessoas que usam essas drogas a dizer que desejam largá-las. Que te diz uma droga que leva as pessoas a frequentemente prometerem que nunca mais a tomam? As drogas que aqui se incluem são o tabaco, o alcoól, a cocaína, o crack, a heroína, o valium e mais umas tantas. A maioria dos que estão em centros de recuperação e à procura de tratamento, estão lá devido a estas drogas. Não se encontram muitos pacientes em clínicas ou a tomar medicação, para desistir da erva, do mdma, do lsd ou de outra qualquer droga psicadélica. As pessoas que se queixam dos efeitos e efeitos-secundários, normalmente, deixam de tomá-las.

 Uma das coisas boas em tantas festas é a vontade com que os pais levam os filhos. São crianças saúdaveis e as festas e festivais são parte disso. Não há muitos pais que queiram trazer os filhos para as festas onde são esticadas linhas de cocaína em qualquer lado. Há algo nisso que soa inerentemente a despropositado. Pertence à casa de banho, de preferência pela sanita abaixo.

 Já basta de cascar na coca. Se não tenho cuidado ainda tenho de saír para cheirar umas linhas, tipo aqueles oradores fundamentalistas que depois do sermão espetam-lhe com uma mamada!

 A folha de coca é plantada na América do Sul há cinco mil anos e era considerada uma dádiva dos deuses. Os Índios nativos ainda a mascam para aumentar a atenção e clareza mental, resistência à altitude e fome. O cultivo e consumo da coca era controlado pelos incas até os Europeus tomarem conhecimento em 1505 pelo explorador Italiano Amerigo Vespucci. O conquistador Espanhol Pizarro detruío o Império Inca em 1553 e ficou com o controle da coca. A produção aumentou à medida que os espanhóis começaram a cobrar impostos, e distribuíram-na gratuítamente por trabalhadores virtuais escravisados.


 Muito se podia escrever sobre os trezentos anos que passaram até Angelo Mariani introduzir a coca na Europa com o lançamento de Vin Mariani em 1860. Este tipo de estracto de folha de coca e o vinho Bordeaux receberam excelentes elogios por parte do Papa, da Raínha Victória, de Thomas Edison e de Julio Verne. Um pequeno copo de vinho daria cerca de um terço de cocaína de uma linha de dez grama de pó. Mas o Sr. Mariani era infléxivel quanto ao uso do estracto da folha, considerando como perigoso o uso do ingrediente activo refinado, a cocaína.

 A cocaína chegou ao mercado em 1884, quando a Merck produzio 1442 Kg dela. Dois anos mais tarde, produziram 71,848 Kg. Desde então, 1886, abasteceram um mercado novo ao incluir cocaína numa bebida leve chamada Coca-Cola. A cocaína introduzira-se na produção e o pó por si só, espalhou-se rápidamente pelo mercado. Em 1901, a preocupação pública sobre o abuso da cocaína fora o suficiente para a Coca-Cola desistir da sua utilização. Em 1914, os Estados Unidos proíbiram efectivamente a folha de coca e seus derivados com a entrada da Acção de Harrison sobre os Impostos aos Narcóticos. O único derivado da coca que persistiu e aumentou o mercado após a sua proibição foi a cocaína. Nos últimos anos temsido acompanhada pelo crack, sendo que o crescimento das duas aumenta estávelmente. Mas esta história não sobre crack.

 Saberia o Sr. Mariani algo que nós não? Os alcalóides e outras impurezas da folha e estracto de coca contam para incitar uma entrega total a uma sobredosagem? Será que alguém sabe? Mesmo sem o registo do abuso de Vin Mariani poderia dizer-se que a mairia dos que usam a cocaína abusam do álcool. Os Incas olharam-na como sagrada e introduziram-na nos seus ritos religiosos. Quando a coca foi proíbida por completo, ninguém se importava em passar umas folhas ou estractos, era tudo pó, agora feito por pessoas decididamente sem escrúpulos.

 Este pó de coca novo tinha decididamente novas qualidades. Era fácil de levar a excessos, e algo dentro da própria droga incita os utilizadores a dar-lhe mais. Sobredosagens fatais por inalar demais são possíveis de acontecer, mesmo assim, raramente. Ataques de coração e de apoplexia são mais comuns, sobretudo se misturada com outros estimulantes. É relativamente fácil apanhar uma “overdose” ao ponto de se ficar um tipo esquisito e alienado, e é normal ficar-se arrependido de ter tomado cocaína. Frequentemente surgem sensações de insegurança e de hostilidade para com os outros, um ou dois dias após o seu uso. Não é muito aconselhável para relações românticas.

 A cocaína marcou a sua presença desde as mais negras e tradicionais raízes do jazz até às classes mais endinheiradas. Hoje em dia tem pesados adeptos entre advogados, designers, pessoas da media, do espectáculo, tal como entre as celebridades do rock`n roll. Mantém-nos acordados, alertas e com a sensação de poder. Fá-los sentir que têm uma vida de sucesso e com significado. Sentem-se bem, alegres e viçosos. A sua outra grande droga de eleição é o álcool e a sua combinação torna as suas vidas aceitáveis. Sabem perfeitamente a ameaça que as drogas psicadélicas impõem ao seu confortável e fechado modo de olhar para o mundo, e evitam-nas criteriosamente.

 Não precisamos certamente do peso negativo que a cocaína carrega nas nossas festas. Estaremos a dar argumentos de fundo às histéricas campanhas anti-droga, de que as drogas leves inevitávelmente levam às perigosas pesadas? A cocaína é essa pesada, e vai mais longe que isso. Reparei que alguns dos meus amigos festivos mais puritanos acabam por ficar a beber e a fumar tabaco depois de estarem a chafurdar na branca. E claro, há aqueles que se metem no crack. Será a repentina abundância de cocaína parte de uma conspiração para enfraquecer e destruir a comunidade que construímos? Ou é só a nossa fraqueza?



 Merda, estou outra vez a ficar todo lamúrias. Então deixem-me dar o meu agradecimento a todas essas grandes obras de literatura, musicais e artísticas que apreciei ao longo dos anos, sempre sem saber nascerem de “vaipes” criativos alimentados a cocaína. Para alguns até funciona e não deixa espaço para derrapagens. Uma das minhas amigas diz que a ajuda na lida da casa e que a casa dela fica mais bonita. Para outros é um pacto com o diabo, dando poder ao início mas minando o espírito no fim.

 Talvez esteja a exagerar. Talvez a cocaína seja uma nova valiosa adição ao cenário festivo que nosimpulsionará com mais vigor e mais alto do que nunca. Talvez se déssemos cocaína suficiente a tudo e todos que mal geremeste mundo, talvez se começassem a amar mais, levando-nos inevitávelmente à paz mundial. Ou talvez não.

 O MDMA, as pastilhas,o ácido, a katamina e o “speed” podemcada uma delas cobrar o seu preço se tomadas em demasia. Podem prejudicar a saúde e a cabeça. Mas normalmente quando isto acontecefaz-se umapausa ou simplesmente pára-se de todo de tomá-las. Com a cocaína não é bem asssim, os que a usam habitualmente dizemsempre que sim amais um traço. Ainda, a cocaína é mais cara do que qualquer outra droga que conhecemos, e é o que não falta por aí.
 Tenham cuidado e respeitem a vossa liberdade.

 Por Greg Sams em Shangri-la-la nº.5 de 2003/04
tradução por Huckleberry Finn em Junho de 2008.